Canva/Carnaval no Brasil |
Eu jamais me arrogarei o título de folião, pois nunca, nem quando estava engrossando o cangote, botei meus pés numa folia de carnaval. Mesmo assim, tenho uma verdadeira empatia pelo período momino. Pois o carnaval inspira-me ideia de retiro, tranquilidade e sossego. É um carnaval invertido, por assim dizer. Afora isso, tenho a inexplicável impressão de pegar livros e ler com mais intensidade durante o carnaval. Para tanto, já fiz minha reserva de leituras para o período.
Porém, o que quero mesmo falar é sobre a volta do carnaval, depois da pandemia, quando o mundo inteiro pareceu ter fechado as portas para balanço. No Brasil, em especial, durante o período carnavalesco, em vez das cores vivas, alegres e misturadas desse acontecimento popular, o mundo aparentou se tornar cinzento, sem vida e sem brilho. Pois é difícil reconhecer o Brasil sem carnaval, escolhida como a festa anual mais popular do mundo. Por isso, já se percebem voltando as cores festivas do carnaval. O espírito carnavalesco é genético e orgânico no sangue do povo brasileiro. E eu não fico de fora, embora nunca participe. Voltando atrás, de alguma forma participo, buscando, enquanto leio, sintonizar no rádio alguma emissora que se dedica a reproduzir marchinhas clássicas dos carnavais de outros tempos, muito aquém ainda do meu desembarque neste mundo.
Por isso, em meu próprio programa de rádio, Noite de Seresta, de domingo passado, fiz questão de reviver, juntamente com nossos ouvintes, antigos sucessos de carnavais que imortalizaram compositores e cantores da Velha Guarda de nossa música. E é aí que entram em cena mestres como Noel Rosa, João de Barro, Lamartine Babo, Haroldo Lobo, Antônio Nássara e, dentre outros compositores de mão cheia, João Roberto Kelly, o autor da clássica marchinha Cabeleira do Zezé, feita para um garçom cabeludo que atendia os boêmios num bar do bairro carioca do Leme.
As letras das marchinhas de outros carnavais eram verdadeiras crônicas e sátiras do cotidiano, narrativas e caricaturas em versos e melodias impecáveis de fatos e personagens daqueles tempos longínquos. E tão inspiradas foram e contagiantes, que atravessaram territórios e o véu espesso do tempo, para se imortalizar. O rádio, já naquelas décadas passadas, foi o grande parceiro na divulgação desse repertório tipicamente nacional.
Encerrando esta crônica carnavalesca, trago duas, dentre inúmeras curiosidades sobre o tema. Por exemplo, a marchinha Estão voltando as flores, tão decantada durante o carnaval, não foi feita para o carnaval. Seu autor, o paranaense Paulo Soledade, acometido de uma doença grave e hospitalizado, foi desenganado por uma junta médica. Eis que numa certa manhã luminosa, ele recebe em seu leito a visita do médico que, para seu espanto e felicidade, traz a boa nova de que seu quadro clínico evoluíra para bem melhor e que em breve ele estaria curado. Com o espírito renovado e agradecido, Paulo Soledade compôs essa célebre marchinha, de letra tão curta quanto alvissareira, e que virou sucesso entre os blocos de rua.
Outra curiosidade de carnaval, por estranha que pareça, está ligada ao nome do cientista inglês Charles Darwin. Foi no carnaval de 1832, que Darwin desembarcou em Salvador, na Bahia, na primeira escala do veleiro HMS Beagle, no qual o famoso naturalista, com apenas 23 anos, viajava em uma expedição científica costeira pela América do Sul. Darwin espantou-se com o comportamento dos foliões de rua. “Em Salvador, quando viu os foliões tomarem as ruas e atirar bolas de cera cheias de água uns nos outros, achou por bem recolher-se à tranquilidade civilizada do Beagle”, lê-se numa publicação. Seguindo o exemplo de Darwin, recolho-me também, neste carnaval, ao barco tranquilo no qual navego sobre as águas mansas do bloco da tranquilidade.
Pedro Paulo Paulino