![]() |
Divulgação |
O inspirado amigo Walter Gomes, Vavá, contou-me há dias uma história que vem a ser das mais originais e criativas de uma infância privilegiada. Ouvindo seu relato, não disfarcei meu desejo de que tal história fosse legitimamente minha. Uma vez que não é, adoto-a e passo a recontá-la.
Bem poucos meninos nascidos no interior, em tempo mais remoto, devem ser que não tenham brincado de aprisionar vaga-lumes nas noites de inverno no sertão. Confinava-se o inocente inseto em recipiente de vidro ou coisa parecida, para vê-lo piscar.
Pois o Vavá, em certo ano de sua meninice, dedicou-se em criar vaga-lumes como ninguém o jamais fizera – pelo menos em seu chão natal, a Ipueira dos Gomes. Trazendo no sangue o tino comercial próprio dos de sua gênese familiar, ele deu início a um empreendimento infantil, porém tão fosforescente quanto o brilho dos pirilampos. De fato, em vez da simples troca de vaga-lumes, prática tão comum entre a gurizada, o Vavá passou a comprar à vista o plantel. A moeda em voga não era mais que carteiras de cigarro usadas – outra distração própria da meninada de ontem.
Atraída pela novidade, a molecada disparou em coletar vaga-lumes. E levou bastante sorte, num ano em que, segundo o Vavá, a fauna de pirilampos era tanta que dispensava aos transeuntes noturnos o uso de lanterna ou farol. Em pouco tempo, o mercado cresceu assustadoramente. A tal ponto, que ele desenvolvera um olho clínico extraordinário, sabendo avaliar o valor de cada peça por características como intensidade do pisca, peso, sexo etc. A oferta avolumou-se tanto que, na boca da noite, passavam vendedores ambulantes na porta anunciando: “Olha o vaga-lume! Olha o vaga-lume!” Uma caixa de papelão tornou-se o território da sua fazenda de pirilampos; tão ilustrada que parecia uma dessas casas de espetáculo dos adultos.
Paralelamente, crescia em disparada a soma monetária. Para reunir em quantidade esse tipo de pecúlio, o Vavá tinha uma vantagem sobre os demais meninos da redondeza. No armazém de seu João Gomes, o pai, estabeleceu-se uma campanha pela doação de carteiras de cigarro usadas. Conta Vavá que passou a fazer amizade indistintamente com tudo que era fumante. De modo que à custa de muito pulmão dilacerado crescia a fortuna do nosso amigo. Sem falar que até da Capital havia emissão de papel-moeda, por conta de familiares que de lá enviavam notas do mais alto valor, de cigarros caros: “Cow-Boy”, “Marlboro”, “California”, “Charm”, perante as quais as notas de “Hollywood” e “Arizona”, por exemplo, viravam moeda de troco.
Com o acumulado cada vez mais crescente, Vavá teve outra ideia acesa: fundar um banco. Foi assim que surgiu o “Bank of Paper de Ipueira dos Gomes”. (Aonde ele foi buscar inglês naquele tempo e naquelas plagas, só Deus sabe hoje.) A instituição financeira já surgira rica: uma caixa de sapatos cheia de dinheiro. Agora, além de comprador de vaga-lumes, ele passava a emprestar o vil metal, com juro compensado, logicamente, em pirilampos.
Seguindo assim, a fazenda de vaga-lumes prosperava a olhos vistos. O “Bank of Paper” atingira a opulência: eram já duas caixas de sapato cheias de notas e uma carta de crédito de fazer inveja ao Banco do Brasil. Seu dono, claro, era a criatura mais feliz do mundo.
Mas, de repente, entra em cena um personagem poderoso, mais poderoso que todos os homens juntos: o Tempo, com seus imensos pés esmagadores de sonhos. E o Vavá cresceu.
Hoje, homem bem estabelecido em seu ramo, participando de delegações internacionais de comércio, Walter Gomes já conheceu vários países, relacionando-se com nomes da mais elevada estatura. E aonde quer que vá, cruzando os ares rumo ao Velho Mundo, ou rumo ao País do Sol Nascente; almoçando no topo de um arranha-céu em Seul; pilotando uma Ferrari nas ruas de Tóquio; participando de conferência multinacional em São Paulo; acompanha-o, grudado às cordas do seu coração, embrenhado nas entranhas da sua memória, o maior comprador de vaga-lumes de que se teve conhecimento.
PPP